21ª Coluna Literária - Coleção “BH. A cidade de cada um”
Foto: Arte/FMCBH

21ª Coluna Literária - Coleção “BH. A cidade de cada um”

Apresentação 


Nesta edição da Coluna Literária, destacamos a Coleção “BH. A cidade de cada um”. Há resenhas dos volumes “Venda Nova”  - de Bruno Viveiros, “Lagoinha” - de Wander Piroli e “Arraial do Curral del Rei” - de Adriane Garcia. Já a apresentação é de um dos idealizadores dessa importante iniciativa: José Eduardo Gonçalves, jornalista, editor e escritor.

Foto: Fredy AntoniazziIdealizada e lançada em 2004 pelos jornalistas José Eduardo Gonçalves e Sílvia Rubião, a Coleção “BH. A cidade de cada um” é um projeto editorial de memória afetiva e de compromisso com a cidade. A ideia central é reunir histórias de bairros e lugares diversos da cidade, contadas por pessoas com vínculos sólidos com esses espaços. Toda cidade é feita de referências geográficas, sociais e culturais, de espaços públicos e de convivência, de paisagens naturais e de edificações variadas. Cada um desses lugares guarda pequenas e grandes histórias, personagens reais e imaginários, datas e fatos marcantes, enfim, todo um conjunto de eventos e atores sociais que formam uma cidade. Essa soma de registros constitui a base de uma memória coletiva que vai se perdendo no tempo, quando não há preocupação de transmiti-la às novas gerações.

A proposta da Coleção “BH. A cidade de cada um” é recuperar essa memória e compor o grande mosaico que é a metrópole dos dias atuais. Cada autor ou autora escreve sobre um lugar a partir de sua experiência pessoal e do seu olhar, mas é importante que a comunidade se reconheça nessa narrativa. A viagem sentimental por esses cenários, contando casos curiosos, lembrando gente anônima ou famosa, destacando fatos e apontando as transformações urbanas, tem impacto direto na forma como passamos a olhar para esse lugar. A cidade é também aquilo que narramos dela. Ao longo de 18 anos de existência, a coleção lançou 37 títulos que passeiam pela história da cidade e compõem uma cartografia poética de Belo Horizonte, contribuindo para reforçar a identidade cultural e a noção de pertencimento dos belo-horizontinos.

José Eduardo Gonçalves
 

Resenha - Lagoinha, de Wander Piroli 

Lagoinha, crédito de Priscila MirandaWander Piroli (1931-2006), jornalista e escritor belo-horizontino, dedica-se, no primeiro volume da coleção “BH. A cidade de cada um”, à construção de um relicário de memórias do bairro onde nasceu e cresceu: a Lagoinha. Através de pequenas narrativas carregadas da identidade do local, o autor nos convida a conhecer a riqueza histórica, artística e cultural da região, perpassando questões relevantes sobre a realidade de vida precária e o enfrentamento de políticas higienistas. 

O livro é dividido em três seções – o lugar, as pessoas e as paixões – cada uma composta por curtos relatos, capazes de transportar o leitor àquele ambiente: ouve-se o “samba rasgado”, sentem-se os aromas, dialoga-se com as pessoas. A leitura é uma experiência imersiva, marcada por uma linguagem descritiva e contemplativa, como a de quem compartilha casos à beira da calçada, revelando a essência do local. 

“Foi nos botequins que aprendi mais coisas – os convencionais que me perdoem”, relata Piroli sobre os saberes da Lagoinha. A boemia e a vida noturna, a experiência marginalizada de uma região formada por imigrantes, vindos para a construção de uma nova capital; os sorrisos largos e os olhares profundos daqueles em situação de rua: tudo isso faz parte do mosaico identitário do local, arquitetado ao longo do texto. 

Desse modo, embarca-se nesta composição como um passeio pelos lugares e fatos marcantes da região, atravessando temáticas urbanas, como a vulnerabilidade social e o desamparo. Além disso, demonstra como o samba foi uma das formas de manifestação cultural e resistência da região. 

A obra é essencial para a preservação da memória coletiva do local frente às mudanças pelas quais tem passado ao longo dos últimos anos. Wander Piroli transpõe o afeto nutrido pela Lagoinha à sua escrita acessível, em um livro indicado a todos aqueles que buscam conhecer mais sobre a história e multiplicidade cultural da capital mineira. 

Lara Rodrigues Barbosa 
Estagiária da Biblioteca do Centro Cultural Liberalino Alves de Oliveira

Resenha - Arraial do Curral del Rei, de Adriane Garcia

Fredy Antoniazzi, arquivo pessoalNa comemoração dos 15 anos da Coleção “BH. A cidade de cada um”, a Conceito Editorial apresentou ao público “Arraial do Curral del Rei – A desmemória dos bois” (2019), de Adriane Garcia, título em que a autora reconta a criação da nova capital mineira em versos. Um trabalho de fôlego poético e pesquisa histórica que dá vida a personagens anônimas que foram apagadas da nossa historiografia oficial. 

Adriane Garcia é escritora e historiadora e buscou em documentos da época a vida esquecida de pessoas negras e pardas, maioria do Arraial no final do século XIX, que foram obrigadas a saírem de suas casas e terras para a construção da capital , idealizada ao estilo francês pelo engenheiro Aarão Reis. A violência da destruição da cidadezinha colonial para dar lugar às largas avenidas e praças da Cidade de Minas, depois Belo Horizonte, emociona o leitor. Uma história que merece ser revista pois se fez em um processo excludente e que enganou pobres e ex-escravizados que sonharam com as riquezas e progressos da cidade planejada. Uma gente que foi expulsa de seu ambiente bucólico de rios e córregos entre as serras do Curral e de Contagem, da Piedade e do Vale do Paraopeba, para ir habitar as periferias remotas.
 
A inspiração da narrativa poética desse 34º livro da Coleção BH veio do Romanceiro da Inconfidência, da poeta Cecília Meirelles, e Adriane Garcia destaca a triste atualidade de seus poemas que falam desse progresso que não chega para todos, desde o início da história do Brasil.

Fredy Antoniazzi
Assessor da Presidência da Fundação Municipal de Cultura

Resenha - Venda Nova, de Bruno Viveiros

Venda Nova, crédito de Sabrina DamasConhecer a história local, suas tramas, personagens em forma de conto é a proposta do autor ao retratar Venda Nova, a mais antiga região da atual capital. Partindo do estudo de variadas fontes e registros históricos e documentais, incluindo conversas com antigos moradores, referências locais e lembranças da própria infância, ele faz um apanhado da região - com certo tom romanceado em alguns momentos - a partir dos idos do século XVIII. Um leitor mais desatento pode até se perder na linha de tantos fatos pitorescos embrenhados nos relatos, assim como tantos protagonistas desta histórica regional.

Venda Nova, com suas singularidades, como se houvesse muitas temporalidades imersas num mesmo lócus: ora parece que o tempo parou, ora, num piscar de olhos, a modernidade batendo a porta. De um lado da Av. Vilarinho, ainda permeiam o pastorear de cavalos e bois, o carroceiro guiando seu animal de cima de seu instrumento de trabalho, carregando entulhos e móveis, outras tantas vezes, levando o tonel carregado de leite, com seus cativos fregueses à espera todas as manhãs, com seus vasilhames de alumínio. Do outro lado da avenida, o movimentar constante e intenso dos automóveis e ônibus, levando nosso povo vendanovense para realizar seus afazeres no centro da capital, ou simplesmente BH.

Ainda permeiam, nas lembranças, uma Venda Nova de tradição e seus muitos causos: o famoso capeta da Quadra da Vilarinho, as quermesses e procissões na Festa de Santo Antônio,  padroeiro e guardião do nosso velho Arraial. E, ainda,  as mais diversas lembranças de quem passou pelos portões do nosso Geteco e do IEVN, nossas queridas escolas Geraldo Teixeira da Costa e Santos Dumont. Outro detalhe interessante que podemos observar é a especulação que gira em torno da identificação do antigo proprietário do Casarão Azul e Branco.

Enfim, Venda Nova é assim, passado e presente convivendo lado a lado, ora  subindo pela Padre Pedro Pinto, ora descendo pela Vilarinho. Uma leitura que, indubitavelmente, traz ricas compreensões sobre a região, sua memória viva e dinâmica, numa linguagem clara, acessível e convidativa.

Eva Martins, Henrique Willer e Regina Vaz
Equipe Centro Cultural Venda Nova


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